Tomates mundial

Este domingo é Dia das Mães e com certeza ouviremos, muitas vezes, a frase “Mãe é uma só!” Se bem que conheço gente que diz que mãe é uma só porque não aguentaria ter duas. Gracinhas a parte, hoje é o dia em que a gente lembra da mãe com mais carinho do que nos outros dias. Digo isso, porque eu me lembro da minha o ano inteiro.

Mas hoje é inevitável se deixar apertar um pouco mais o coração, principalmente com aqueles, como eu, cuja mãe é apenas um porta-retrato no criado-mudo, um 3×4 na carteira ou um monte de lembranças que não queremos sejam esquecidas.

Então vou aproveitar o dia de hoje para lembrar algo sobre minha mãe quando eu estava no 3º ano primário, o que hoje se chama fundamental 1, acho. Aqueles tempos para nós eram difíceis, vida dura, todo mundo trabalhava fora. Menos minha avó Rosa Maria, mas que também dava um duro danado em casa. Mas não muito porque morávamos numa pequena casa de três quartos: era um quarto de banheiro, que ficava fora no pequeno quintal, era um quarto de cozinha e… um quarto de quarto! Uma casa fracionária, enfim.

Eu estudava num colégio de padres no Alto do Ipiranga. Foi lá que descobri que padre, além de santinho, também gostava de dar uns cascudos na gente. Mas isso é outra história. Bem, todas as manhãs, minha mãe preparava uma marmita pra eu levar para o colégio, porque eu tinha de almoçar com a turma que era interna no colégio. Eu era semi-interno.

Podem tocar um violino, se quiserem. Mas a coitada da dona Orestina vivia um drama todas as manhãs. O que colocar na marmita, além do arroz? Ah, sim… feijão, quando tinha! O que mais? Mistura era um luxo ocasional… às vezes rolava uma linguicinha que eu sempre deixava por último. Se para nós aquele fosse um tempo de vacas magras, estava de bom tamanho. Nossas vacas eram anêmicas.

Nesse dia, que quero lembrar, não havia nada pra dona Orestina colocar na minha marmita. Só arroz. Puro! Procura daqui procura dali, achou um tomatão, que ela cortou em rodelas generosas. Abarrotou a marmita de arroz e cobriu-o com as rodelas de tomate. Ficou assim: duas horas de tomate e arroz pra cinco minutos de marmita. Na hora de fechar, foi outro drama. Era tanto arroz e tomate que a borda da tampa nem encostava na borda da marmita.

Com as palmas das mãos, ela pressionou vigorosamente a tampa da marmita contra as rodelas de tomate e o arroz. As pernas da velha mesa de madeira chegaram a ranger. Mas fechou. Como a tampa insistia em pular pra fora da marmita, ela prendeu tudo com uma liga de plástico… daquelas que eram usadas para segurar meias de mulher.

Lá fui eu com uma marmita pesada de arroz, tomate e muito amor materno!

A marmita era da marca Mundial, cujo logotipo, em letra cursiva e ligeira, era em baixo relevo na tampa.

Na hora do almoço, tirei a marmita que ficava em banho-maria no refeitório e levei para a grande mesa, onde toda a molecada comia fazendo uma pergunta de praxe: “O que sua mãe colocou?” As respostas variavam… bife, almôndega, linguiça, frango, lasanha… e eu me roía numa espécie de inveja infantil.

E você, Aurélio? Já esperando gozação, porque crianças sabem ser cruéis quando querem, preparei-me para responder… “tomate”! Tirei o elástico e todos ouviram um ligeiro… puff… como quem abre uma panela de pressão. Levantei a tampa e… surpresa! Nas rodelas de tomate, estava impressa a palavra… Mundial! Em letra elegante e cursiva.

Esbocei um ligeiro sorriso e, com os olhos brilhando, respondi: “Tomates Mundial!” Todos se levantaram e vieram conferir. Alguém soletrou apontando minha marmita com o indicador: Mun-di-al. “Nossa! É verdade!”, exclamaram todos… e morreram de inveja de mim. Só eu tinha tomates com letras…

Nesse dia senti o maior orgulho de ter uma mãe como a dona Orestina. Hoje, lembrando disso, meu coração se aperta como se estivesse dentro de uma marmita Mundial e nele vai estar impresso, em letra elegante e cursiva, a palavra… Saudade!

Um beijo Mundial a todas as mães que conheço!

Aurélio de Oliveira

4 comentários

    • Seria muito bom, Zanfra... mas naquela época éramos vegetarianos não por opção, mas por compulsão!

      Seria muito bom, Zanfra... mas naquela época éramos vegetarianos não por opção, mas por compulsão!

      Resposta à pergunta do Zanfra.

  1. Eu, como bom palmeirense, estava esperando até uma piadinha com esse negócio de “mundial”. Ainda bem que não veio, porque a resposta também já estava pronta

  2. Maravilhosa história Aurélio! Pode-se dizer que seu tomate tem mundial…cheio de amor e carinho de mãe.
    Parabéns!

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