Reveillon na Dutra

Passei por Trindade, há pouco mais de dez anos, quando concluía minha tese de mestrado de Comunicação, e agora em 2020, no auge da pandemia. Fiquei meio decepcionado com o que vi. Para quem não frequenta o eixo São Paulo-Rio, estou falando de um conjunto de praias paradisíacas, no município fluminense de Paraty, quase na divisa com o Estado de São Paulo. Urbanizado e superlotado de turistas, não lembra em nada o recanto bucólico e tranquilo que eu e alguns amigos escolhemos para passar um reveillon no final dos anos 1980.

À época, o distrito de Trindade era ocupado por algumas dezenas de caiçaras e conhecido apenas por meia dúzia de hippies e bichos-grilos paulistanos. Eram eles que se aventuravam a cruzar uma estrada de terra, sem nenhuma estrutura, para acampar em suas praias preservadas, quase intactas. Como a região já despertasse a cobiça de grandes incorporadoras, numa briga que ainda ia durar anos, os forasteiros evidentemente não eram benvindos.

Nosso grupo naquele final de ano, em que escapamos do plantão, era formado por colegas de trabalho dos Diários Associados e Agência Folhas. Eram o Eugênio Araújo e sua atual esposa Vanda; Bete, irmã dele, e o marido; Jorge Zappia e esposa; eu e minha namorada, mais tarde minha primeira mulher, ora falecida. Viajei todo pimpão na minha Brasília azul-anil, que acabara de tirar no Consórcio Almeida Prado, o Eugênio e a irmã no carro deles, e o Zappia no seu Chevette.

Na descida da serra da Rodovia Oswaldo Cruz, que vai de Taubaté a Ubatuba, o primeiro drama. Por suas curvas muito íngremes e acentuadas, a estrada exige que o motorista use mais o freio motor, mas o Zappia, talvez por inexperiência ou falta de conhecimento, chegou lá embaixo sem breque, como se dizia antigamente. Deixamos o Chevette no mecânico em Ubatuba e continuamos a viagem em dois carros.

Início da serrinha para Trindade, outro problema. As condições da estrada não permitiam a passagem de carros lotados. A solução foi descer apenas os motoristas com os veículos, enquanto os demais passageiros se aboletavam na Kombi de uns nativos. Todo o sacrifício da ida foi compensado, naturalmente, pelas belezas do local, a começar pela piscina natural da Caixa D’Aço. Do riacho vizinhos, em cujas margens montamos nossas barracas, vinha a água para todas as nossas necessidades básicas, inclusive, cozinhar.

Nossa alegria durou pouco. Depois de uma ou duas noites no paraíso, na manhã do dia 31 de dezembro, recebemos um alerta severo dos locais. Se não fôssemos embora naquele dia, não conseguiríamos subir no dia seguinte por causa do temporal, que se prenunciava. Como tínhamos que trabalhar no dia 2 (menos Bete, irmã do Eugênio, e o marido), preferimos acreditar na previsão dos moradores. Melhor subir enquanto estava seco, pois com o chão molhado, nem a velha Kombi ajudaria.

Decisão sábia a nossa, mais tarde, ficamos sabendo que a ressaca pós-temporal levou o que restou dos acampamentos para o meio do mar. Enquanto isso, nós, os mais responsáveis e menos aventureiros, nos contentamos em ver a passagem do ano pela tevê, tomando café com leite, em um posto de Taubaté, às margens da Rodovia Presidente Dutra.    

Manoel Dorneles 

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