O pequeno visionário

Eu tinha bem uns seis anos de idade quando pedi um brinquedo diferente para minha mãe. Queria um boneco de cowboy que não fosse igual a todos aqueles que eu conhecera até então. Já não me bastava, em minha idade avançada, a peça plástica inteiriça do ‘mocinho’, de uma cor só, eternamente empunhando um ‘revolvinho’ em posição de tiro, ou as pernas em arco, como se jamais desmontasse de seu cavalo imaginário para enfrentar índios imaginários.

Eu queria algo inédito, inovador, que jamais teria passado pelas mãos de um garotinho de periferia: um ‘mocinho’ que pudesse calçar suas botas, trocar de calças e camisas, enganchar a cartucheira na cintura, enfiar dois revólveres nessas cartucheiras, ter um chapéu que pudesse entrar e sair da cabeça quando ele – ou eu – tivesse vontade… Não me ocorreu que pudesse estar inventando algo, mas, enfim, na minha pequena imaginação, eu estava pedindo um brinquedo interativo.

Morava em Pirituba. Na aba de São Paulo. Se não tomasse cuidado e escorregasse o pé no barranco podia cair em Osasco. Para comprar um brinquedo, fosse qual fosse, era necessário ir ‘à cidade’. Minha mãe tinha uma comadre que trabalhava com costura e vivia indo para o Centro comprar seus tecidos e seus aviamentos. Foi ela, pois, incumbida de atender ao meu pedido. Passei horas – ou minutos, não me lembro – explicando para ela o que queria.

Foi ela sair e eu amarrar minha expectativa na sombra. Não tive dúvida de que ela fosse encontrar o que eu pedira, por isso não consigo explicar o que senti quando ela voltou com uma carrocinha plástica igual às dezenas que eu já tinha visto, cuja única peça removível – e, portanto, interativa – era o cocheiro, unido ao banco por um pino plástico que, coitado, era atochado em seu traseiro. Disse que não encontrara meu pedido e, mesmo que mais tarde eu entendesse que aquilo ainda não existia, minha decepção falou mais alto.

O brinquedo que pedi realmente ainda não havia sido criado. E, se os leitores tiverem um pouco de paciência com minha pretensão de enxergar anos à frente, somente quinze anos mais tarde, em 1977, foi criado o boneco Falcon. Não era um ‘mocinho’ de cowboy, mas trocava de roupa, punha e tirava o chapéu, vestia sua cartucheira cruzada no peito ou em torno da cintura, empunhava as armas que julgasse mais adequadas ao inimigo que iria enfrentar. Era tão simples que até uma criança de seis anos podia pensar nisso!

De duas, uma: ou eu nasci antes do tempo, ou o Falcon demorou muito a ser criado. Ou, melhor ainda e modéstia à parte, eu era um pequeno visionário e já me via brincando com os brinquedos que estavam por ser inventados.

Pensei em escrever esta lembrança depois de assistir a um velho episódio de Friends, em que o personagem eventual Paul, vivido por Bruce Willis, conta que, aos seis anos (coincidência), queria ganhar uma roda-gigante e, em lugar disso, recebeu um frango de borracha.

Um caso parecidíssimo com o meu!

Marco Antonio Zanfra

4 comentários

  1. Eram aqueles cowboys e indios que o Nono pintava para ganhar uns trocos? Bem do tipo dos soldadinhos verdes, inteiriços ?
    Coitadinho, que frustrante.. entendo bem..
    Uma vez pedi um telefone de brinquedo pro meu pai e ganhei uma miniatura de telefone que cabia inteiro no meu ouvido ..

    • Não só o nono pintava; eu e a Nane também entramos no esquema da empresa, que ficava na Vila Anastácio. Era tão fuleira que fechou e pagou nosso trabalho com um ‘castelo medieval’. Mas minha ideia de um brinquedo interativo foi bem anterior a essa fase. Quando eu brincava de mocinho com os bonecos, acho que o nono ainda cortava aqueles tapetes de retalhos.

  2. Gostei da lembrança mas achei um certo preconceito contra Osasco, uma bela e efervescente cidade da Grande São Paulo

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